Viagem ao Irã: Jornada em Persépolis e Shiraz

Takht-e Jamshid (Persépolis), província de Fars | Foto: Janaina Elias

Salam amigos, com vocês, mais um capítulo da minha odisseia pelas terras da Pérsia. Hoje vou falar dos lugares que visitei na província de Fars:

📆 Shiraz – Irã, 01/09/2013: 

Acordei 7hs da manhã com o telefonema de Ali, amigo do Sr. Alireza avisando que não poderia me ajudar na parte do dia, porque ele tinha que ir a um funeral, mas ia mandar um motorista para me salvar e no final da tarde nos encontraríamos.

Enquanto eu aguardava pelo motorista, saí para comprar algo para o desjejum (café da manhã no hotel só começava às 8hs). Em uma semana no Irã, aquela foi a primeira vez que saí sozinha para comprar alguma coisa. Pense em alguém com medo de botar o pé na rua! Sorte que havia um mercadinho na mesma calçada do hotel. Comprei água, suco e biscoitos para ir mastigando no caminho,  acho que paguei algo menos que 2 dólares. Precisei da ajuda do senhor que era dono do mercadinho até  para contar as notas, ainda bem que ele falava um pouco de inglês.

Às 9hs encontrei o motorista Rahim na recepção do hotel. Ele era um rapaz bonitão, forte, com o cabelo tão espetado que imagino que deve ter usado um pote inteirinho de gel. Ele não falava inglês, seu vocabulário se limitava a um simpático Ok, ok!, mas foi instruído por Ali para me levar à Persépolis e Naqshe Rostam que ficam à 70 km de Shiraz. Em seu carro, que tinha um vidro meio rachado, Rahim, dirigia sempre sorridente e cantando alto as músicas de Ebi o tempo todo. Gentil, ele me ofereceu chocolates e evitava fumar para não me incomodar. A cada sentença que eu dizia corretamente em farsi ele soltava um animado Afarin! 

Antes de chegar a Persépolis passamos pela cidade de Marvdasht. Tanto ali quanto em Shiraz é muito comum ver crianças pedindo esmolas nos faróis, carregando incensórios improvisados em latas. Cena que me fez pensar com tristeza nos contrastes sociais tão comuns entre aquele país e o nosso. O caminho para o sítio histórico é uma estrada montanhosa e árida, margeada por árvores, onde vi alguns camelos enfeitados nos quais os turistas sobem para  tirar fotos.

Após estacionar e passar por um belo jardim avistamos de longe Persépolis, que em persa se chama Takht-e Jamshid (“trono de Jamshid”), sobre um planato com as ruínas de suas colunas milenares ao longe. Avistar esse local histórico construído há cerca de 2500 anos, que foi a capital do Império Aquemênida  é uma emoção indescritível. Em Persépolis, o ingresso para turistas é mais caro. Rahim teve a audácia de dizer que eu era a esposa dele, e assim sem exigir comprovação nem nada, deixaram eu entrar pelo preço dos iranianos! Há turistas do Irã todo e também do mundo, o inconfundível sotaque italiano assalta nossos ouvidos.

Na Porta de Todas as Nações, em Pérsépolis
Lamassus: guardiães com corpo de touro e cabeça humana em Persepólis | Foto: Janaina Elias
Ruínas do Palácio das 100 Colunas em Persépolis | Foto: Janaina Elias
Ao lado de uma coluna de Persépolis, minha altura equivale apenas à base.

O primeiro local que avistamos é a Porta de Todas as Nações, com as esculturas imponentes de dois touros antropomórficos e frisos dos soldados medo persas, protegidos por vidros. Nota-se algumas “pichações” de viajantes e arqueólogos que estiveram ali no começo do século XX e antes. Depois vemos os resquícios das colunas e capitéis com os grifos de duas cabeças. Passamos pelas ruínas do palácio das 100 colunas, onde nos tempos de seu apogeu era um salão revestido de mármore, com suas colunas de granito negro altíssimas encimadas por um teto plano. Após a conquista da Pérsia por Alexandre, o Grande, todo esplendor dessa cidade foi incendiado, ficando as colunas reduzidas à pedaços desprovidos de qualquer glória,  que os turistas visitam com certa indiferença, mas para os persas deve ser motivo de profundo pesar. Me posto ao lado da coluna, onde a minha altura equivale apenas à sua base.

Para subir até o alto do rochedo Kuh-e Ramat, onde onde há o tumulo de Ardeshir (Artaxerxes), escalamos barrancos, e é necessário tomar água a cada 10 minutos. Nota-se o esforço de preservação do sítio histórico declarado Patrimônio da Humanidade em 1979. Em algumas partes, notamos a restauração pela diferença da tonalidade nos muros. Do alto do rochedo onde fica o túmulo escavado na rocha, podemos ter aquela inconfundível vista panorâmica da Persépolis que vemos nos livros de História. Depois, para descer é aquela mesma história dos barrancos onde pedrinhas tornam o caminho escorregadio e a areia fina cobre o sapato.

No salão real de Dário (Apadana), vemos os inconfundíveis muros que contornam as escadarias com relevos dos soldados e delegações de todas as nações e o símbolo da constelação de leão devorando touro. Atualmente há um toldo que é um bom local para fugir do sol escaldante. Neste local podemos notar um pequeno resquício da cor original de Persepolis em seus tempos áureos. Feche os olhos e imagine por um momento que todas aquelas colunas, relevos e blocos de pedra ocre, eram o mais puro granito e mármore negro reluzente com detalhes em ouro! E finalmente o próprio palácio do rei Dário, nomeado Tachara, com suas colunas monolíticas e o Hadish, palácio de Khashayarshâ (conhecido no ocidente com o nome infame de Xerxes), cujo estilo é semelhante porém duas vezes maior. Meu aspirante à guia, Rahim, usava todo o talento de sua linguagem corporal para me explicar  de forma que eu pudesse entender algo sobre Persépolis.

Na saída paramos para descansar e tomar um refresco de talebi e observamos algumas tendas que vendem souvenires e o DVD com a história de Persépolis (que eu já tinha ganhado de presente do meu amigo Cláudio, marido da cadbanou Nasrin). É incrível  a sensação ao sair de Persépolis, eu olhava para trás o tempo todo tentando apreender mentalmente até o último instante daquele momento. Mesmo olhando minhas fotos na câmera mais tarde, demorou para cair a ficha de que eu estive lá.

Vista panorâmica de Persépolis do alto do Rochedo Kuh-e Rahmat
Ruínas de Tachara, o palácio de Dário em Persépolis | Foto de Janaina Elias
Relevo do Farahavar, símbolo do zoroastrismo, a religião da antiga Pérsia
Detalhe da Apadana, no relevo “constelação de Leão devora Touro” | Foto: Janaina Elias

Em seguida fomos para Naqshe Rostam, outro sítio arqueológico importante que fica a 12 kms de Persépolis onde se localizam as tumbas de 4 reis aquemênidas (Dário,o Grande, Dário II, Xerxes I e Artaxerxes II), escavadas nas rochas. Construído há cerca de 3000 anos atrás, os entalhes nas rochas abaixo dos túmulos representam os triunfos dos reis persas sob os inimigos. Portanto, o nome Naqshe Rostam que significa “retrato de Rostam” é um equívoco dos historiadores que pensaram que os gravados nas rochas eram representações deste herói mítico. Embora desgastados pelo tempo, os relevos são magníficos, uma verdadeira viagem no tempo. Rahim, faz uma mímica para me chamar a atenção para o detalhe das pernas do rei Shapur I, que eram tão compridas, que sob o cavalo, seus pés tocavam o chão (pura mania de grandeza).

Neste local, também há um antigo templo em formato de paralelepípedo chamado de Kaba-i Zartosht (algo como a Caaba de Zoroastro).Ali também entrei de bico calado, pagando preço iraniano, graças à destreza do Rahim. O calor por volta do meio-dia é implacável. Fora do sítio há alguns camelos onde os turistas podem dar um passeio, mas infelizmente no momento começava a pontar uma dor de cabeça devido ao sol forte, e eu não tinha vontade, nem coragem de montar o camelo.

Naqshe Rostam, túmulos de 4 reis aquemenidas (Dário,o Grande, Dário II, Xerxes I e Artaxerxes II)
Um dos túmulos com o relevo na base representando as façanhas dos reis persas | Foto: Janaina Elias
Relevo representando um triunfo do rei Shapur I em Naghshe Rostam | Foto: Janaina Elias
Kaba-i Zartosht (“Caaba de Zoroastro”) em Naghsh-e Rostam | Foto: Janaina Elias

À tarde Rahim, me convidou para almoçar no apartamento de sua amiga Bahar, uma coroa bonitona, toda moderninha e mística que dizia trabalhar como vidente. O apartamento era modesto e arrumado, como todas as casas iranianas em que estive, porém por não estar entre meus conhecidos não me senti totalmente à vontade. Bahar preparou um delicioso almoço bem iraniano com arroz, salada, mast e kebab de frango. Na TV passavam clipes de música pop libanesa, e ela me contou que vive entre Dubai e Shiraz, e passa 6 meses em cada cidade. Pedi permissão para usar o computador, e consegui acessar o Facebook, porque tinha antifiltro. Rahim ficou curioso em ver os perfis de meus amigos brasileiros e dizia que todos e todas eram qashang (“bonitos”). Sei que não é assunto meu, mas notei pelos olhares que o garotão Rahim tinha algo a mais que amizade com a madame Bahar. Agradeci muito pelo almoço, mas uma coisa que me deu nos nervos foi o tempo todo ela inventar apelidos gringos para mim como Janet ou Jane…

Ao final da tarde Rahim me levou para encontrar Ali e um outro amigo que se chama Hamed. Ali é engenheiro, tem uma aparência jovem, embora calvo e de barba, fala inglês fluente e é bem culto e gentil. Hamed é um soldado da polícia, bem jovem, atlético, ainda mais bonito do que Rahim,  e igualmente gentil.

Como estava quase escurecendo e a maioria das atrações em Shiraz (ao contrário de Tabriz) fecham à noite. Ali me convidou para visitar o Jardim Afif Abad, um tradicional jardim persa do séc. XIX, repleto de tamareiras e roseiras, com sua piscina artificial onde nadam belos cisnes e uma mansão museu, onde no piso inferior vimos um acervo de armas e  no segundo andar, há os salões da rainha, com suas tapeçarias, pianos, móveis, quadros e lustres de encher os olhos. No jardim há uma lojinha onde comprei um pequeno souvenir de Persépolis e uma banca onde se pode tirar fotos com os trajes típicos da etnia Qashqai (nômades da província de Fars), porém dessa vez eu não me aventurei a vestir as roupas, mas pedi para fotografar um casal de crianças fofíssimas.

Ali me contou que já viajou para a Europa, e está se preparando para um exame afim de cursar o mestrado no Canadá. Ele me apresentou a uma outra iguaria famosa de Shiraz, o Faludeh, que é uma espécie de macarrãozinho branco com calda de água-de-rosas, servido com suco de limão refrescante.

No Jardim Afifabad, um dos famosos jardins de Shiraz
O museu-mansão histórico e o lago dos cisnes no Jardim Afifabad | Foto: Janaina Elias
Detalhe da arquitetura inspirada na arte aquemênida no Jardim Afifabad | Foto: Janaina Elias
Crianças fofas com trajes folclóricos de Shiraz | Foto: Janaina Elias

A correria era total, fomos ao terminal para comprar meu bilhete, que segundo meu cronograma teria que ser para esta noite. Porém, eu pensei: como fui a Shiraz e não vi os túmulos dos poetas? Decidi ficar em Shiraz por mais um dia, a fim de não perder essas atrações, porque já fiquei frustrada em não ver o túmulo de Shahriar em Tabriz. Calculei um dia a menos para Teerã, e um a mais para Shiraz.

Assim à notinha voltei para o meu hotel  e ao me despedir de Rahim experimentei o genuíno Taarof iraniano na prática. Quando eu ia pagar pelo serviço, ele simplesmente disse: “Não precisa, você é minha convidada”. Porém, insisti um pouco e ele aceitou o pagamento me devolvendo uma das notas que eu dei a mais que o combinado.

No próximo  post, vou contar como foi o feriado imprevisto que atrapalhou meus planos em Shiraz… Continuem comigo nessa viagem, Khoda hafez!

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