Viagem ao Irã: De Shiraz à Yazd

Hafezieh, memorial do poeta Hafez de Shiraz | Foto: Janaina Elias

Salam amigos, no post de hoje, estejam preparados para uma super corrida nos lugares históricos de Shiraz.

📆 Shiraz, Irã, 03/09/2013

Acordei às 7h, arrumei minhas malas e  recebi a ligação de Ali avisando que eu deveria esperar por um motorista que segundo ele entendia inglês. Desci as escadas com a mala pesadíssima sem a ajuda de ninguém. Fui até a recepção e com muita dificuldade o recepcionista entendeu que eu estava deixando o hotel, precisava recolher meu passaporte e esperaria pelo motorista na recepção. 

No geral, minha estada em Shiraz foi um tanto caótica, depois do imprevisto do dia anterior, comecei a examinar com calma os pontos turísticos sugeridos por Afsaneh. No máximo eu ainda teria tempo para ver o túmulo de Hafez, o Naranjestan Qavam, Mesquita Nasir ol-Molk e o Bazar Vakil antes de embarcar no ônibus para Yazd.

O motorista que chegou por volta das 8h30 era um garoto bem moreno e magrinho chamado Hossein, que de inglês só falava Ok e Go! Ele me pareceu meio mal-humorado e não fez nem questão de me ajudar com as malas, até que eu pedisse… Colocou minhas bagagens no porta-malas entre um monte de bugigangas de computador. Aliás, o carro que estava longe de ser novo, era todo era equipado com uma série de apetrechos como um ursinho no painel, canequinha e até uma etiqueta de roupa pendurada no retrovisor. Ele pediu permissão para ouvir música, gostava de pop moderno tipo Mohsen Chavoshi e Siavash Ghomeyshi como bom jovem iraniano, mas ouvia em um volume baixo e não cantava, apenas dirigia com a cara fechada e me perguntava para onde eu queria ir. 

A temperatura ainda estava agradável aquela hora da manhã. Na entrada do túmulo de Hafez,  Hossein me explicou que o ingresso para kharejis é 2x mais caro. Então ele pagou meu ingresso e quando o moço da bilheteria perguntou ele disse na cara dura que eu era iraniana também. Honestamente, eu não me importaria de pagar o dobro do valor, não chegava a ser uma quantia absurda como os nossos museus. Sem falar que nas cidades anteriores também não me deixaram mexer no bolso sequer uma vez. Mas achei interessante o fato de um iraniano se preocupar com o quanto eu ia gastar, mesmo não sendo amiga nem conhecida dele…

Você que acompanha o blog há um tempo já deve ter visto vários posts onde eu cito o poeta Hafez e sua importância na literatura e pensamento do povo iraniano. Por isso, achei altamente indispensável visitá-lo.

Hafezieh e a bela cúpula que abriga o túmulo do poeta Hafez de Shiraz
Vista do interior da cúpula do túmulo de Hafez com os magníficos mosaicos | Foto: Janaina Elias
Lápide do túmulo do poeta Hafez, em mármore entalhado, com o seu epitáfio Foto: Janaina Elias
Na saída do túmulo de Hafez, feliz por ter visitado o túmulo de um dos maiores poetas persas.

Hafezieh, como é chamado o complexo que abriga o túmulo deste célebre poeta, assim como seu memorial se localiza no norte de Shiraz no Jardim Musalla. A belíssima estrutura em formato de cúpula com 8 colunas onde repousa sua singela lápide de mármore se destaca em um jardim florido e ricamente arborizado. Debaixo da cúpula, ao olhar para cima, notamos os estonteantes mosaicos em formatos estelares, só chega a ser irritante a quantidade de pessoas aglomeradas embaixo da estrutura disparando seus flashes. Havia uma placa que sugeria ao visitante pedir uma benção do grandioso Hafez, obviamente não deixei de fazer isso! Do outro lado do jardim há 5 lápides de outros poetas, provavelmente discípulos e amigos de Hafez. Há também um museu, o qual não visitei devido a pressa e uma lojinha de souvenires de Shiraz. 

Como ainda estava cedo, Hossein me convidou para ver o túmulo de Saadi, outro poeta persa singular. Este mausoléu me pareceu bem mais suntuoso que o de Hafez, em um jardim de altos ciprestes, com uma fachada de mosaicos quadriculados, grandes colunas avermelhadas e uma imponente cúpula azul-turquesa. Em seu interior há azulejos com caligrafias mostrando a obra do poeta e uma piscina onde os visitantes fazem um pedido e jogam moedas (eu não joguei).  Embora a pressa, o burburinho da multidão e a obrigação de tirar foto não me deixassem entrar em sintonia com os poetas, como era o costume dos turistas, toquei seus túmulos e agradeci por ter conseguido vir de tão longe.

Janaina visitando o magnífico mausoléu do poeta Saadi em Shiraz
A imponente entrada do mausoléu do poeta Saadi | Foto: Janaina Elias
Com muita reverência, os turistas tocam o túmulo do poeta Saadi, como forma de pedir sua benção
A suntuosa cúpula ornada com mosaicos no interior do mausoléu do poeta Saadi | Foto: Janaina Elias

Hossein, aos poucos foi se revelando mais simpático. Ele me apresentou a um amigo chamado Ahmad, que falava inglês. O moço disse que eu era muito valente, por estar viajando sozinha e que Hossein era um bom garoto, que eu podia ficar tranquila com ele. A principio cheguei a pensar que  Hossein estava me guiando contra a vontade, pois a cada lugar que íamos ele repetia: “Hafezieh, Saadi… e agora pra onde?”

Depois de enfrentar um transito caótico e um sol escaldante, que transformava o interior do carro em um forno, Hossein estacionou em um beco qualquer e disse com ar desapontado: “Você quer ver coisas bonitas em Shiraz e eu estou te mostrando um lugar feio…” Eu disse a ele que não achava nada feio, apenas diferente. De fato o beco era realmente interessante, embora com algumas pichações, havia construções antigas que me chamava a atenção pelo aspecto rústico. 

O tempo realmente estava a meu favor, Hossein também me mostrou o Museu dos Dignatários de Fars, onde vimos magníficas estátuas de cera hiper-realistas, das grandes personalidades históricas da província (proibido fotografar). Depois entrarmos no Naranjestan Qavam, um legítimo jardim persa histórico com uma fonte atravessando todo seu comprimento. Não é lá uma grandeza no tamanho, mas a arquitetura da mansão que se encontra neste jardim é de encher os olhos. O que me encantou especialmente foram as pinturas no teto, os vitrais multi-coloridos, os espelhinhos reluzentes que adornam as paredes e os azulejos com motivos figurativos do período Qajar.

Vistando o Naranjestan Qavan, um legítimo jardim persa em Shiraz
Interior da Mansão Qavam, um esplendor de cores e ornamentos em Shiraz | Foto: Janaina Elias

Hossein comprou para nós um refresco de romã e salgadinhos Pofak. Comemos andando na rua até chegar no Bazar Vakil, que como todo grande bazar iraniano é lotado e labirítinco, com mais ou menos os mesmos produtos de todos os lugares. Quando eu fui comprar minha lembrancinha, um lindo estojinho de seda termeh, Hossein não deixou eu tirar a nota da carteira e quis pagar para mim. Apesar do calor, comecei a apreciar Shiraz, o problema estava em mim, a insegurança de estar com desconhecidos teve que desaparecer. Tivemos ainda que pegar um taxi para ver as mesquitas. Achei uma loucura aquele negócio de ficar parado no meio da rua e gritando o lugar para onde quer ir até algum taxi parar. 

Bazar Vakil, em Shiraz | Foto: Janaina Elias

Depois visitamos a Mesquita Nasir ol-Molk e a Mesquita Vakil e o Arg-e Karim Khan Zand que embora estivesse a poucos metros do hotel eu tinha receio de entrar sozinha. Com razão ou não, todos esses lugares que citei cobram entradas mais caras para os turistas e Hossein usou sua “tática” infalível. Só na mesquita Vakil que um funcionário ao me ver lendo os mapas apontou para mim gritando: Aha, khareji! Mas Hossein disse alguma coisa que não sei como convenceu o moço de que eu era “tão iraniana quanto ele”…

Entrada da Mesquita Nasir ol-Molk em Shiraz | Foto: Janaina Elias
Pátio da Mesquita Nasir ol-Molk em Shiraz | Foto: Janaina Elias
Janaina, no interior da mesquita Nasir-ol-Molk, em Shiraz
Entrada da mesquita Vakil, em Shiraz | Foto: Janaina Elias
Graciosas colunas em espiral no interior da mesquita Vakil, em Shiraz | Foto: Janaina Elias
Azulejos em restauração no Interior da Mesquita Vakil | Foto: Janaina Elias
Despedida de Shiraz visitando o Arg-e Karim Khan Zand
Estátuas de cera representando a vida de Karim Khan Zand | Foto: Janaina Elias

Faltando uma hora para minha partida, fiquei feliz de ter visitado mais lugares do que eu esperava. Paramos para almoçar em um restaurante, onde pedi o meu favorito kebab de frango com arroz e salada. Bebi o refrigerante de laranja Mirinda, marca extinta no Brasil há anos. No restaurante só havia homens que ficavam me encarando, porém eu fiquei bem séria e na minha. Hossein ficou animado ao falar sobre o futebol do Brasil, e quando ele falava o nome dos jogadores que conhecia, todos os olhares se voltaram de uma vez para nossa mesa. 

Na rodoviária, Hossein carregou minhas malas e ficou de olho no broche do Brasil que estava na alça da minha mochila. Ele me ajudou a encontrar o terminal e enquanto esperávamos pelo ônibus eu ofereci o pagamento combinado, mas ele pediu para esperar e ficou uns minutos fazendo uns cálculos mentalmente. Achei que ele fosse pedir dinheiro a mais, porém ele  disse que estava incluindo no serviço os ingressos que ele teve que pagar e pelo almoço. Deixei com ele o broche do Brasil e uma nota de 2 reais como lembrança para Ali. 

Embarquei às 14h no ônibus que era super confortável, com cadeiras individuais de um lado, ar-condicionado, DVD, lanchinho e bastante espaço para os pés e bagagem de mão. No visor da frente  o motorista colocara um ursinho de pelúcia e uma bandeira da Turquia. Ehsan me ligou várias vezes para perguntar onde eu me encontrava, e eu não desgrudava o olho da estrada e do mapa. No caminho, paisagens bem mais áridas indicavam que eu estava à caminho do deserto, tudo era vazio de um lado e do outro da estrada, mas as montanhas avermelhadas  e misteriosas ao cair do anoitecer faziam meu coração pulsar de emoção.

Estrada de Shiraz à Yazd, só deserto! | Foto: Janaina Elias

Cheguei em Yazd por volta da 21h, Ehsan já me esperava no terminal. Ele é alto, moreno, simpático e fala um inglês perfeito. Eu o conheci pouco tempo antes da viagem, mas ele me recebeu como se fossemos amigos há anos. Me levou para jantar em um restaurante tradicional onde comemos um saboroso kashk-e bademjam com Pepsi. Pela primeira vez na vida experimentei o geliun, puxei o ar e soltei uma fumacinha mentolada. Pronto pensei, virei fumante. Ehsan dizia que dava tontura nele, então decidi não continuar também. 

Depois do jantar Ehsan me levou até o hotel Silk Road, onde Afsaneh havia feito minha reserva. Era uma construção super tradicional, em um beco, com paredes de adobe. Porém, na entrada o recepcionista, disse que não havia vagas. Como eu estava me sentindo cansada e para lá de outro mundo não houve muita discussão, Ehsan preocupado comigo encontrou o outro hotel que ficava ao lado da esplendorosa Masjed e Jomeh.

O hotel que se chama Vahe ( ou Oasis em inglês) é bem simples, tradicional mas confortável. Meu quarto era espaçoso, com cama fofinha, banheiro grande, ar condicionado, internet wi-fi. porém sem TV. Me agradou bastante o estilo oriental com cortinas vermelhas e vidros coloridos nas janelas. O lado de fora é um jardim restaurante, com uma bela fonte. O recepcionista era um jovem comunicativo chamado Ahmad, que fala inglês, e diz que está “ali só para mim ” (slogan do hotel, claro). Assim como em Shiraz eles também seguram o passaporte, porém eu teria que pagar só no final da estadia. Me despedi de Ehsan e me instalei no meu quartinho. Por hoje é só, no próximo post vou contar como foi meu primeiro dia em Yazd.

>> Fiquem com um pequeno registro do belíssimo  Naranjestan Qavam em Shiraz: 

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