Salam amigos! Hoje vou contar como foi minha despedida da inesquecível Isfahan e minha chegada na enigmática cidade de Qom:
📆 Isfahan – Irã, 07/09/2013:
Acordei cedo, e comecei a tomar minhas habituais notas de viagem sentada na cama. O senhor Hushang, pai de Tina veio me chamar para tomar o café da manhã e me deu de presente alguns adoráveis souvenires de Isfahan. Estavam em casa somente os homens da família e eu. A mãe e Tina saíram cedo para trabalhar. Um sábado no Irã é como a nossa segunda-feira, então Nima e o pai pediram para eu me arrumar e sair junto com eles para encontrar Tina e depois visitarmos a Kelisaye Vank, a histórica catedral armênia no bairro de Jolfa.
Construída na era Safávida, a Kelisaye Vank ou Catedral Vank, é um complexo onde fica a Igreja de São José de Arimatéia, com sua cúpula em estilo islâmico que de longe poderia ser facilmente confundida com uma mesquita. Mas os letreiros no alfabeto armênio e o seu campanário com uma cruz, indicam que este é um edifício cristão. Seu exterior relativamente simples, contrasta com a exuberância da decoração interior com afrescos multicoloridos e brilhantes que incluem cenas bíblicas da Criação do Mundo à Ressurreição de Jesus, além de imagens dos santos apóstolos e anjos no estilo da miniatura persa, e nos detalhes entre os afrescos praticamente tudo é dourado. Em tamanho, a catedral poderia ser comparada a uma capela, mas sua grandiosidade reside na mistura de estilos arquitetônicos iranianos e europeus. Turistas de todas as crenças tiram fotos nessa catedral que é considerada a mais importante igreja cristã armênia do país.
Ao lado da igreja há um museu histórico onde podemos encontrar obras de arte e objetos litúrgicos feitos por artistas iranianos, armênios e europeus, a interessante mistura que compõe o cristianismo no Irã. O mais marcante é a grande coleção de Evangelhos manuscritos armênios com iluminuras. Neste museu eu também pude entender, a história da imigração armênia no início do séc. XVII em terras iranianas, onde sob o reinado de Shah Abbas I uma grande comunidade fugindo da perseguição promovida pelo Império Otomano foi forçada a se estabelecer nesse bairro que acabou se tornando um dos mais desenvolvidos de Isfahan. No pátio ao redor da catedral há vários monumentos em memórias das vítimas do genocídio armênio, uma tragédia que perdurou no início do séc. XX, outra época que muitos armênios buscaram refúgio no Irã.
Trajes típicos no Museu Armênio da Catedral Vank | Foto: Janaina Elias
Enquanto Tina me explicava em inglês sobre diversas relíquias dos tempos do soberano Shah Abbas, uma mulher parou ao nosso lado e ficou nos encarando com os olhos arregalados. Ela parecia meio chocada com a minha presença ali e perguntou de onde eu era. Quando Tina respondeu que eu era do Brasil ela praticamente gritou: “Brasil?! Mas eu pensei que ela era do Paquistão!” Realmente leva tempo para a gente se acostumar com a reação de alguns iranianos que nunca viram estrangeiros. Na saída Tina havia perdido o lugar onde seu pai estacionou o carro, ficamos andando em círculos por vários minutos em baixo de um sol escaldante pelo bairro de Jolfa até encontrá-lo. Enquanto ela andava rápido eu queria tentar apreciar o bairro que tem outras igrejas históricas e me pareceu muito limpo e organizado.
À tarde voltamos para casa e recebemos a visita da adorável tia Zahra e seus filhos que vieram se despedir de mim e também me deram um delicado objeto de artesanato de presente. Eu ficava extremamente feliz com tantos mimos, porém tinha que ter o maior cuidado na hora de guardá-los para não quebrar nada e o espaço na minha mala diminuía cada vez mais (outra razão porque não comprei tantas coisas). Uma outra coisa que me fez dar boas risadas era a mania do Nima de dizer o tempo todo que odiava garotas, como pretexto de chamar a minha atenção. Por essa ele não esperava, dei um beijo no rosto dele na frente da família toda, o garoto quase teve um piripaque, e todos riram muito. Essa família superou minhas expectativas no quesito bom humor! Na despedida não cheguei a chorar, mas não foi fácil entrar no carro e olhar para eles me dizendo adeus pela última vez.
Tina e o pai me acompanharam até o terminal onde eu devia pegar um ônibus que parava em Qom. Não havia ônibus que fizesse terminal entre Isfahan e Qom, então foi um sacrifício para acharmos o bilhete. Finalmente consegui um ônibus que estava à caminho de Gorgan com parada em Qom. Saí de Isfahan por volta das 17hs. Tina escreveu em um papel que eu teria que descer na praça 72 Tan e me colocou sob os cuidados de um casal de idosos que me avisaria onde descer. Quem me esperava em Qom, era meu amigo Mehdi que foi professor de inglês de Tina na universidade. Ele me indicara sua família em Isfahan, mas em Qom eu deveria ficar com a família de outra de suas alunas, uma garota chamada Malihe.
A viagem tinha previsão de durar cerca de 3 horas, mas o ônibus parou para o jantar e namaz (oração) na cidade de Delijan. No ônibus eu era a única mulher com rusari de cor magenta, todas as demais vestiam preto ou o tradicional chador. Eu ia vestir o maghnee que eu usei em Mashhad, mas desisti por causa do calor. Mas isso não foi nenhum problema, as pessoas do ônibus simpatizaram comigo, afinal não é todo dia que uma brasileira vai a Qom! Na parada, segui as mulheres até o toalete e fiquei esperando do lado de fora da sala de oração feminina a senhora que me acompanhava terminar seu namaz.
Mehdi me ligava à cada 30 minutos para saber onde eu estava e disse que eu deveria descer em outro lugar chamado Shah Jamal que era mais próximo da casa de Malihe. De volta ao ônibus uma mocinha com deficiência mental sentou ao meu lado, ela encostava a cabeça no meu ombro e eu me sentia sem jeito, mas deixava. Quando eu pedia para seu pai (ou irmão mais velho) falar com Mehdi no celular e perguntar para o motorista quantos quilômetros faltavam ela fazia muitas perguntas indecifráveis para mim em farsi. Só entendi ela perguntar: “Quem é ele? É seu marido?” Eu só fingia que entendia e respondia: are (sim) ou nah (não)…
Finalmente desembarquei em Shah Jamal (ou uma parada no meio do nada) e encontrei Mehdi que me esperava junto com um amigo chamado Mahmoud. Mehdi pessoalmente é simpático, jovial, tem uma voz agradável e um inglês perfeito. Antes eu só havia visto ele por fotos no Facebook, onde ele parecia sempre sério, com a mesma cara de homem polido em todas as fotos, mas conversamos há mais de 3 anos e ele foi uma das pessoas que mais me encorajaram a fazer essa viagem. Ele perguntou se eu havia visitado Kashan. Pensei: Peraí? Passei por Kashan no caminho para Qom! Mehdi disse que eu estava visivelmente cansada e prometeu que no dia seguinte me levaria para conhecer Kashan.
Minha primeira impressão de Qom à noite era de uma cidade iluminada e limpa. Passamos perto do santuário de Hazrat Fatima (irmã do Imam Reza) que estava lindamente decorado com lâmpadas multicoloridas por ocasião do aniversário dela. Mehdi me deixou na casa de Malihe que ficava em uma daquelas vielas iranianas onde todas as casas tem portão da mesma cor. Ela atendeu a porta vestida em seu chador negro e me recebeu com muito carinho. Malihe é uma garota extremamente simpática, comunicativa, de mente aberta e mora numa casa enorme e bem iraniana. Tem uma irmã mais nova linda chamada Saba e seu irmão é um rapaz tímido chamado Mohammad. A mãe é uma mulher rechonchudinha e simpática que me recebeu com um banquete de frutas e seu pai é um homem grisalho, sério, bem discreto, quase não se nota a presença dele na casa.
Depois, o irmão ajudou a subir minhas malas para o quarto de Malihe que também era enorme, ou seja, o segundo andar da casa pertencia inteirinho a ela! Tomei banho, jantei um macarrão instantâneo com tempero picante. Depois entrei no Facebook e no meu email do Yahoo, ainda bem que tinha anti-filtro mas a internet era tão lenta, que acabei ficando acordada até quase 3:00 da madrugada falando com os amigos do Brasil. Finalmente, consegui compartilhar minha foto de Talesh junto com Peyman. Meus amigos ficaram chocados com a ausência do hijab!
Finalmente, vocês devem entender o que eu ouvi a respeito da cidade de Qom antes de ir para lá. Meus amigos de Talesh me diziam: Cuidado! Qom é uma “cidade perigosa” cheia de segredinhos, ou “cheia de mulás”. E o Majid de Teerã dizia que não tinha nada de bonito para se ver lá, porque era uma cidade “muito muçulmana”… Para mim não importava o que os outros achavam, eu queria ver com meus olhos e tirar minhas próprias conclusões.
No próximo post, vamos voltar um pouco para trás e visitar Kashan e o santuário de Hazrat Fatima em Qom. Até a próxima! Khoda hafez!