Viagem ao Irã: em Talesh, eu sou de casa

Aeroporto Internacional Sardar Jangal, Rasht (Foto: Cannews.Aero)

Salam queridos amigos! Hoje vou contar como foi minha chegada em Talesh, na província de Gilan, onde passei quase 4 dias. Neste post vou resumir os primeiros 3 dias.

📆 Mashhad, Irã – 25/08/2013:

Assim que me despedi de meus anfitriões no aeroporto de Mashhad, fui para a área de embarque seguindo duas iranianas, ultra-maquiadas que falavam inglês com um forte sotaque britânico e olhavam com certo desdém para meu hejab conservador e meu sotaque tupi. Eram mãe e filha, que moravam em Londres, mas estavam no Irã para visitar os parentes. Elas perguntam: Are you moslem…what’s your dream of Iran? Depois elas se mostraram amigáveis e dispostas a me ajudar.

Também neste aeroporto pegamos um ônibus que nos levou até o avião. Às 18:00 embarquei no voo da Iran Air, sentei em uma poltrona do meio entre duas mulheres. Durante a decolagem senti uma dor de ouvido terrível e achei a comida fria e sem sabor.

De Mashhad até Rasht são 2hs de voo, durante todo esse tempo a dor de ouvido  persistiu e eu tentava em vão cochilar. Nos outros voos eu só senti uma leve pressão em meus ouvidos que logo passava, mas ali eu cheguei a me contorcer achando que meus tímpanos iam estourar! Quando o piloto anunciou que estava próxima a hora de aterrissar, fiquei aliviada. Já eram quase 20:00 e o sol ainda estava se pondo! Estiquei o pescoço para a janela e pude notar a paisagem verdejante, coberta por uma camada de neblina muito espessa. Ali já estávamos sobrevoando a província do Gilan.

Às 20:05 pousamos no aeroporto de Rasht, capital da província.  O tempo ali estava nublado, bem diferente do sol escaldante de Mashhad. E a vegetação exuberante nos arredores me surpreendeu. Depois de pegar a mala na esteira, fui até o saguão e me joguei em uma cadeira. No celular, havia uma mensagem de minha amiga Maryeh: “Onde você está? Nós já estamos aqui…”

Levantei da cadeira e comecei a olhar em volta, até que vi a delicada figura de Maryeh com um grande sorriso e os olhos brilhantes de emoção. Corremos para nos abraçar. Em seguida notei a figura alta e esguia de seu irmão Peyman e os pais deles, Mehdi agha e Malake khanom, um casal idoso simples e amigável. Meu ouvido ainda latejava, mas foi emocionante encontrar aquela família tão bonita que até então eu só havia visto no Skype,  todos juntos ali para me receber!

De Rasht para a cidade de Talesh, onde fica a casa deles também são quase 2 horas de carro. Não fosse pelas placas em persa e pela música turca no carro, pela paisagem eu seria capaz de jurar que estava à caminho do litoral paulista! A família fala turco e persa, porque são azeris. Maryeh e Peyman (que me autorizaram a mostrar as fotos deles aqui) falam inglês com um sotaque muito fofo, do tipo: Vhen did you arrive? Ve vere vaiting for you!

Nossa amizade tinha menos de um ano, mas parecia que eu já conhecia eles há muito mais tempo. Acho que ninguém esperava tanto minha chegada no Irã, por isso prometi passar pelo menos 3 dias com eles. O casal de irmãos de Talesh são esse tipo de pessoas de coração puro, gestos suaves e olhar doce que raramente encontramos no mundo. Fazem milhares de perguntas sobre o Brasil e ficam encantados com tudo o que eu falo. Eles estão na casa dos 30 anos, mas parecem muito mais jovens, de aparência e de atitude.

A cidade de Talesh também tem cara de interior, por isso que devo ter me sentido tão em casa por lá. A casa deles é bem antiga, dessas bem tradicionais, com  jardim, varanda e tapetes até na cozinha! Nem preciso dizer que me senti super bem acolhida e confortável. Ali eu era livre para me vestir como quisesse, e pedir qualquer coisa que eu precisasse para Maryeh, sem cerimônia.

Tivemos um jantar bem leve acompanhado do saboroso pão barbari. Como em Teerã, eles também são vidrados na novela turca: Harime Sultan. Dei de presente para a família, um pacote de doces e souvenires do Brasil. E eles arregalaram os olhos dizendo: “Nããão precisava, isso deve ter sido muito caro! É muito para nós…”

Em Talesh, mais uma vez senti extremamente mimada como hóspede. Maryeh me deu sua própria cama, e dormiu em um colchão ao meu lado em seu gracioso quarto com pôsteres do cantor Shadmehr Aghili pendurados nas paredes pintadas de lilás e cactos na mesa de cabeceira…

Na praça de Talesh, cidade do norte do Irã com ares de interior | Foto: Janaina Elias
Peyman e Maryeh, meus irmãos em Talesh ❤️
“Você é como uma irmã para nós, como alguém da família…”, disse Maryeh 🥰

📆 Talesh, Irã – 26/08/2013:

Desde a minha chegada no Irã eu acordei cada dia em uma casa diferente. Em Talesh, pelo menos eu descansaria um pouco da correria que foram os dois dias anteriores. A música turca ali é a preferência, tomamos café da manhã ouvindo flash-backs de Ibrahim Tatlises que ficavam ecoando na minha cabeça o dia inteiro… No quarto de Peyman há um grande poster da diva Googoosh e na varanda de trás da casa, uma parede inteira coberta por pôsteres dos maiores ídolos dos tempos áureos da música iraniana, como Dariush, Ebi, Leyla Forouhar e novamente, Googoosh!

Pela manhã saí para caminhar pela cidade junto com Maryeh. A cidade é pequena, rodeada por montanhas, poucos prédios altos, ruas tranquilas e muitas lojinhas, bem cara de interior mesmo. Por volta do meio-dia ouvimos osom hipnótico do azan, o chamado à prece da mesquita local. Maryeh me levou a casa de sua amiga Safura, que mora em um apartamento impecavelmente decorado e confortável. Ela me ofereceu o sorvete de talebi (cantalupo) e os deliciosos biscoitos klucheh, e me mostrou as fotos impressionantes do grupo de montanhismo da cidade do qual ambas fazem parte.

Depois fomos a um mercadinho local, onde pude ver pela primeira vez as  marcas dos produtos iranianos e onde duas garotas ao me verem conversando com Maryeh em inglês ficaram observando incrédulas e perguntaram de onde eu era. Um garotinho me olhava com os olhos brilhando e no caixa, ao sair disse: Excuse me… Eu sorria e dizia Salam! Iran dust dâram pra todo mundo. Ali eu aprendi uma nova palavra: khareji = estrangeira, aliás essa foi a palavra que mais usaram para se referir a mim no Irã! Maryeh é minha interprete, e quando chega em casa repete toda a história para a família em persa e turco…

Voltamos para casa na hora do almoço e comemos o delicioso loubieh polo (arroz com vagem e carne de cordeiro, acompanhado de iogurte com ervas. Depois provei um doce chamado lavâshak, que é uma espécie de goma de frutas bem azedinha, que não é recomendável consumir em excesso.

Em Talesh não sei como eu peguei um pouco de resfriado. Durante o dia a temperatura não era tão diferente de Mashhad, mas talvez o ar mais úmido…Dormi a tarde toda e à noite saí com Peyman e Maryeh para tomar sorvete. Provei um sorvete 3 em 1 de cereja (albalu), romã (anar) e pistache (pesteh).

As ruas são realmente seguras. Eram quase 23:00, nós três caminhávamos tranquilamente pela rua quase vazia e tiramos fotos na pracinha. A cidade estava iluminada por lâmpadas coloridas, lembrando um cenário natalino, não deixei de notar as onipresentes bandeiras do Irã, assim como os retratos do Imam Khomeini e do recém-eleito presidente Hassan Rouhani.

Naquela noite dormimos bem tarde, conversamos sobre política, futebol, cultura e futilidades! Sinto que os irmãos Peyman, Maryeh e seus pais me tratam como alguém que sempre morou ali com eles.

Janaina perto do Mar Cáspio, à noite na praia de Gisom
Camas de madeira cobertas com tapetes e almofadas, onde nos sentamos para jantar…

📆 Talesh, Irã  27/08/2013:

Em Talesh, eu sou uma espécie de celebridade. No mercadinho, na quitanda, todos querem saber quem sou, de onde sou e pra que vim ao Irã. Algumas pessoas chegam a se sobressaltar quando me vêem. Maryeh diz que é porque meu rosto é muito exótico para eles, e porque a cidade é pequena, as pessoas notam facilmente quem é de fora. Ela quer que eu experimente todas as frutas que eu raramente como no Brasil, diferentes tipos de pêssegos, cerejas, romãs e uvas amarelinhas minúsculas e o famoso talebi.

No almoço experimentei o ghormeh sabzi, um delicioso ensopado de verduras, perfeito para quem é vegetariano. E neste dia também provei o famoso salgadinho “isopor” da marca Pofak.
A regra dos anfitriões de Talesh é a seguinte: olhou, gostou é seu! Foi assim que Peyman me deu um livro de história do Irã em persa, um álbum de selos antigos inteirinho, cédulas e moedas antigas. E Maryeh me deu alguns, lenços bibelôs e cartões postais. E mais outra regra importante: não adianta recusar! Eles diziam: “Você é como uma irmã para nós, como alguém da família…” Não eram presentes comprados, mas que tinham valor afetivo para eles. Eles simplesmente colocavam nas minhas mãos e diziam sorrindo: “É seu!”

À noite saímos para um jantar à beira do Mar Cáspio, com os amigos de Maryeh, o casal Masumeh e Hamed e seu irmão Armin. A estrada para a praia de Gisom é linda e margeada por árvores, no caminho vi alguns cavalos brancos aparentemente selvagens. Como estava escuro, não dava para ver o Mar Cáspio, apenas ouvia o ronco das ondas e o grito de crianças que corriam pela praia. O restaurante ficava em uma área coberta por toldos de zinco, com várias tendas de comida ao redor, tanques com peixinhos, baldinhos de plástico pendurados sobre nossas cabeças.

Sentamos em uma daquelas camas de madeira com tapetes e almofadas e comemos o delicioso kebab de frango. Depois, outros familiares dos amigos de Maryeh foram se juntando a nós. E pra variar o assunto geral ali era EU. Todos queriam fazer preguntas sobre o Brasil e Maryeh trabalhou dobrado como minha intérprete. Apesar da barreira idiomática todos foram muito amáveis comigo!

Escultura representando carruagem e cavalos do general Rostam Charmine, na batalha de Chaldoran
Apesar de estar seriamente danificada a escultura ainda é belíssima… 😢

Voltamos para Talesh no carro de Hamed, pela mesma estrada ouvindo o pop persa. Subimos por uma estradinha de terra até o alto de uma colina de onde dava para avistar toda a cidade. Ali havia uma escultura fantástica de dois cavalos puxando uma carruagem (que depois fiquei sabendo ser uma representação do general Rostam Charmine, na batalha de Chaldoran, que ocorreu no ano de 1514).

Apesar de seriamente danificada, a estrutura colossal feita de fios de metal revestido por plástico ainda era belíssima, iluminada por uma luz verde. Segundo Maryeh, aquela escultura ficava na praça onde tiramos fotos na noite passada, depois foi transferida para o alto daquela colina onde foi depredada por gente sem noção.

 Depois de umas voltas pela cidade voltamos para casa, depois da meia noite. Comemos uma gelatina de romã de cor azul antes de dormir.

Assim passei 3 dias em Talesh, no próximo post vou contar como foi minha visita à cidade de Masuleh e outras curiosidades do Gilan.

>> Com vocês um pequeno vídeo da estrada à caminho da praia de Gisom: 

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