Salam amigos, a cidade de Yazd representa a metade da minha jornada. Hoje vou contar sobre as minhas aventuras nesta cidade.
📆 Yazd – Irã, 04/09/2013:
Imagine por um momento o que é acordar sozinha em um hotel em uma cidade no meio do deserto. Se bem que todos os dias da minha viagem, meu primeiro pensamento ao acordar era: estou no Irã?! Naquele dia acordei às 8h, com minha timidez elevada ao quadrado, temendo abrir a porta do quarto e dar de cara com um bando de mochileiros gringos.
Tomei coragem, botei a cara pra fora e sentei na mesinha do jardim para tomar meu café da manhã. Ah, como era bom depois de 2 dias a base biscoitos e suco em Shiraz, sentir o gostinho do pão barbari com geléia de frutas, fatias de melancia e o cházinho direto do samovar! O único problema eram as abelhas tentando disputar o meu precioso desjejum matinal. Ao meu lado havia turistas de Omã, um homem e duas mulheres, que interagiam comigo dando risada enquanto tentávamos afastar os insetos. Troquei algumas poucas palavras com eles em farsi, eram simpáticos e ficaram maravilhados ao saber que eu viera sozinha do Brasil.
Através do contato visual eu conseguia estabelecer mais ou menos quem aceitaria minha amizade. Os jovens holandeses parecem mais retraídos, interagem entre si, mas parecem pouco dispostos a conversar comigo, devem achar que sou iraniana. Aliás, pelas caras que vi eu parecia ser a única latino-americana do hotel.
Enquanto os gringos empunham seus guias Lonely Planet, eu pedi ajuda ao pessoal da recepção e dei uma estudada no meu mapinha emprestado por Afsaneh. Vesti o mantô verde e o véu branco afim de me mesclar melhor com a população local e passei muito protetor solar no rosto para enfrentar o sol escaldante da manhã em Yazd.
Obviamente o meu primeiro destino foi aquele que estava mais próximo do hotel, a magnífica Mesquita Jameh. Seus dois minaretes na entrada são extremamente altos, os azulejos tem padrões geométricos e arabescos belíssimos. Dentro da mesquita há uma placa convidando as mulheres a usarem o hejab islâmico ao entrarem, mas o chador não era obrigatório. Comecei a fotografar e tentar estabelecer contato visual com algumas pessoas em busca de alguém que tirasse a minha foto, mas acabei desistindo.
Depois tentei visitar o Museu de Arqueologia ao lado da mesquita, mas o recepcionista não falava inglês e nem se mostrou disposto a me dar qualquer informação. Fiquei ali parada com cara de tacho observando um jovem mulá sentando em frente a um computador e moças de chador preto que saíam dali com livros. Apontei a plaquinha que indicava o preço dos ingressos e ouvi um nada delicado: Muzeh bast! (Museu fechado). ” Ainda tentei perguntar com meu farsi rudimentar qual era o horário de funcionamento e só ouvi como resposta um impaciente: Ok… ok… Saí dali esbravejando em português mesmo: “Tá bom, custava ter uma plaquinha informando o horário de visitação?”
Então decidi me aventurar pelas vielas onde tudo era da cor ocre. Ao entrar por alguma delas descobri o antigo santuário de Seyed Roknedin. Pelo portão observei que ali só havia mulheres e decidi entrar. Um bando de mocinhas todas de véu negro avançaram sorridentes em minha direção gritando: Khareji! Khareji! (óbviamente porque “só dava eu” usando batom rosa e sombra verde ali). Eu disse: Man ahle Berezil hastam… (Eu sou do Brasil).Elas quase foram ao delírio e ficaram repetindo algo como “ela entende farsi… ela falou a nossa língua!”
Quando as meninas finalmente deixaram eu passar pela entrada, observei que havia algumas mulheres sentadas no tapete perto da porta da mesquita amamentando seus bebês e outras tomando chá e proseando. Perguntei para uma moça que estava sentada perto de um cabide com chadores pendurados, se eu poderia pegar um emprestado e entrar. Ela apontou o cabide sorridente e perguntou: “De onde você veio, é muçulmana?” Eu respondi: “Não sou muçulmana, soucristã”. Ela continuou sorrindo e apontou o céu dizendo: “Muçulmano e cristãos, ambos pertencem a Allah”.
Peguei um chador branco floridinho e entrei. Como faziam as locais, toquei na treliça que protegia o túmulo e fiquei tentando captar a energia do local. O calor era fulminante, as paredes eram antigas e mofadas, mas ao menos havia um grande ventilador ali dentro. Sentei por um minuto enquanto ouvia uma mulher declamando o Alcorão. Tentei me aproximar da estante de alcorões para tentar ler algum, mas em frente dela havia mulheres orando com fervor e eu não quis atrapalhar.
Ao sair do santuário, fui explorar as lojinhas de artesanato. Conversei com um senhor que é de Isfahan e tem um amigo aqui no Brasil em Campo Grande. Gentilmente ele me mostrou diversos tipos de artesanatos, cerâmicas, miniaturas, toalhas de mesa, bijuterias e explicou que ali não havia só peças de Yazd, mas de várias cidades do Irã. Depois me mostrou pacientemente todos os tapetes que eu quisesse ver e me deu uma verdadeira aula sobre os tapetes persas com direito a um cházinho. Preocupada com as despesas e imprevistos, fiquei namorando um pequeno tapete gashghai, que ele faria pela bagatela de 150 dólares (no Brasil sairia pelo dobro do valor), curiosamente nas lojas de tapete estavam aceitando cartão de crédito… Prometi que ia pensar e entrar em contato com ele, talvez o encontrasse em Isfahan. Ele disse: “Não tem problema, volte quando quiser e se não quiser, não vou obrigá-la a comprar”.
Em seguida fui para a avenida à procura do complexo Amir Chakhmaq, porém meu senso de direção é tão péssimo que fiz o caminho todo, só que ao inverso (meu mapa estava em farsi). Meu ponto de referência era a torre do relógio, depois a mesquita onde fiquei com receio de entrar porque só vi homens no pátio. Detalhe: era meio-dia de um verão iraniano, as lojas começavam a fechar e eu ali à procura de algum lugar para visitar. A sorte é que as ruas arborizadas amenizam o calor, então parei, sentei em um banco e finalmente me localizei no mapa.
Notei que em Yazd 90 % das mulheres usavam véu preto e como eu estava toda colorida (o véu branco para suportar melhor o calor) e olhando para um mapa, algumas pessoas chegavam a virar o pescoço quando passavam por mim. Mas eu ia pacientemente procurando o danadinho do lugar. Até que, finalmente! Avistei a praça Amir Chakhmaq! Quando entrei no edifício, só havia um corredor com lojas todas fechadas. Pensei: ele é lindo por fora, mas xinfrim por dentro. Saí pelo outro lado e dei de cara com a placa do Museu da Água. Finalmente meu esforço de caminhar sob o sol a pino de Yazd valeu a pena!
Fui direto à entrada do museu onde já pude ver a placa: “50000 para estrangeiros”. Paguei os tomans para o funcionário, um rapaz barbudo que perguntou com um sotaque carregado: Where are you from? Eu respondi em persa só para tirar um barato com a cara dele. E ele exclamou: Brazil?! Wow! Um rapazinho sentado ao lado dele logo gritou: Copa!!! E eu já meio impaciente: Yes! Brazil,Iran Copa! My tickets please! E finalmente o rapaz barbudo me deu os bilhetes de entrada dizendo com seu sotaque estridente: Wel-co-me!
O Museu da Água fica dentro de uma casa histórica belíssima por fora, porém por dentro o lugar é meio tenebroso. Os corredores são escuros e empoeirados, com vitrines de engenhocas antigas como torneiras, rodas d’água e principalmente ferramentas utilizadas pelos trabalhadores do tradicional sistema de qanats, ou seja, aqueles que se empenharam na árdua tarefa de cavar os canais que distribuíam água na desértica Yazd. Achei tanto divertido como arriscado descer as escadarias e explorar as instalações originais do que foram o sistema de qanats explicado ao longo do museu. Além de mim, a única pessoa visitando o museu era um mochileiro gringo que me disse um tímido Hi! mas devia ter pensando que eu era uma nativa.
Depois que terminei de explorar o museu, um senhor se apresentou como guia e veio todo cheio das intimidades me convidando para conhecer os arredores de Yazd na manhã seguinte. Eu peguei o cartão dele, agradeci e ia me despedir quando ele começou a dizer que eu era muito bonita e até abriu uma sala que estava fechada só para eu ver uma antiga roda d’água que as mulheres costumavam acionar com os pés e as mãos. Depois ele me convidou para ver um qanat original que havia perto dali. Eu comecei a dar desculpas dizendo que estava com fome, outra hora eu voltava, mas ele continuou insistindo “porque era muito perto”.
A contragosto aceitei ver o local que era um portão que dava para uma escadaria com umas luzinhas fracas. Fiquei de olho no portão que ele deixou aberto, preparada para dar no pé caso precisasse. Começamos a descer a escada e o guia “tiozinho” começou a bancar o herói segurando minha mão. Dali a pouco ele já estava enlaçando os braços em mim, porque o lance era escorregadio mesmo! Comecei a suar frio, mas se ele me soltasse eu escorregava. Ao chegar na base da escada, o calor era tão insuportável que desencanei do véu. No lugar do qanat, que o guia alegou ainda estar ativo, só vi a água barrenta e um cheiro de lodo insuportável. Pedi pelo amor de Deus para sair daquele lugar e subi as escadas tão brava que quase saí na rua sem o véu. Depois o próprio “tio” me levou de volta ao hotel em seu carro que era praticamente uma carroça de uns 30 anos atrás mas ainda andava…
Quando voltei ao hotel, estava tão cansada que resolvi me recolher no quarto, tomar um banho e cochilar. Mas lembrei que precisava estabelecer contato com alguém que pudesse emprestar um cabo USB que servisse em minha câmera ( lembram que eu esqueci o meu em Talesh?). Perguntei para um rapaz holandês, uma moça suíça e um casal húngaro, só gente loira! Mas para meu azar ninguém tinha um cabo compatível com minha pequena Nikon.
Minha última tentativa foi um rapaz bonitão com jeito de gringo, porém 100% iraniano de Mashhad. Seu nome é Alireza e ele é fotografo, e estava em Yazd somente a trabalho. Simpático e atencioso, ele me convidou para ver suas fotos e se propôs a ir comigo para comprarmos um cabo e bater pernas pela cidade à noitinha. Ele convidou um amigo chamado Siamak, um rapaz sisudo, porém educado para ir conosco. Alireza era alto e bem humorado, e a cada 2 passos sacava sua câmera profissional para capturar imagens em ângulos inusitados, dizia hi! para as crianças na rua e elas respondiam achando que ele era de fato um turista estrangeiro.
Fomos ao bazar porém como quase tudo estava fechado, adentramos uma portinha escondida que dava acesso a um hotel restaurante deslumbrante, o Malek o Tojjar, onde tivemos um agradável jantar com direito a uma deliciosa sopa tradicional de Yazd, obviamente tudo por conta dos rapazes! Uma funcionária do restaurante tirou nossa foto com as bandeirinhas do Brasil e do Irã.
Ao voltar para o hotel agradeci ao Alireza e ia me despedir e voltar para o meu quarto quando ele me convidou para sentarmos em uma das mesinhas do jardim porque queria mostrar mais fotos das viagens dele nos cenários montanhosos de países da África e da Ásia. Ficamos conversando até tarde e de quebra ele ainda me deu uma aulinha básica de vocabulário persa. A namorada do Alireza ligava a cada 5 minutos e, pelo que entendi, parece que ela ficou um pouco enciumada pela nova amiga brasileira dele. Curiosamente ele também estava a caminho de Isfahan na manhã seguinte, porém não nos vimos para nos despedir. Lembro também de ter falado com um rapaz japonês que ficou admirado, pra não dizer desconcertado ao ver uma brasileira no Irã. Depois fui fazer minhas malas e dormir…
No próximo post, minha despedida de Yazd e chegada em Isfahan. Quem continua comigo nessa viagem?