Viagem ao Irã: Isfahan, repleta de surpresas

Praça Naqsh-e Jahan em Isfahan, vista da varanda do palácio Ali Qapu | Foto: Janaina Elias

Salam amigos! No post de hoje vou narrar como foi meu dia na cidade que é conhecida como Nesfe Jahan, “a metade do mundo”:

📆 Isfahan – Irã, 06/09/2013:

Minha primeira manhã em Isfahan na casa da família de Tina foi super agradável. Embora acordar no quarto de outra pessoa me deixasse um pouco sem graça, fui para a sala e me sentei  com a família em uma sofreh no tapete da sala para tomar o café da manhã. Embora cada família tenha o seu jeito, uma coisa nunca muda: o café da manhã iraniano é sempre farto!  

Depois do café tivemos a visita da tia Zahra e seu filho o garoto gordinho Matin. Tia Zahra é a criatura mais meiga que eu já vi, adora dançar e me encorajou a chacoalhar o esqueleto logo pela manhã. Isso mesmo, dançar o pop persa no meio da sala com toda família olhando. Não demorou muito para Nima, o irmão de Tina entrar na dança. Aliás Nima se mostrou um rapaz surreal, ele fazia uma performance digna de aplauso no baba karam.  Foi uma delícia esse momento de descontração!  

Os iranianos parecem reservados e polidos na rua, mas dentro de casa eles não precisam beber álcool para rir da vida, fazer piada, dançar e cantar. Tina não gosta muito de dançar, mas não larga o celular, ela me mostrou as belas fotos de seu noivado e eu pude ver seu noivo rapidamente falando com ela na porta. Vaidosa, ela vive maquiada até mesmo dentro de casa, e fez questão de me emprestar seu esmalte verde para me deixar mais ghashang. A mãe de Tina também é uma fofa, sempre tentando me ensinar palavras em persa e diz que adora o som do meu nome. E o pai que é um homem magrinho, baixinho e divertido serve chá para mim, ajuda a descascar as verduras para o almoço. Enfim, aquela história de que os homens iranianos são todos machistas e mandões é pura lenda! 

Após o almoço, Tina, o irmão, o pai e tia Zahra me levaram para um passeio pela cidade. Como eles moravam na periferia, da casa deles até o centro da cidade era um longo caminho, onde passávamos por uma estrada montanhosa.

Ponte Khaju, a ponte mais bonita de Isfahan | Foto: Janaina Elias
Passagem sob um dos arcos da ponte Khaju
Atravessando um dos corredores na lateral da ponte Khaju
Embaixo da ponte Khaju, alguns iranianos cantam e declamam poemas.
O leito do Rio Zayande totalmente seco! | Foto: Janaina Elias

Nossa primeira parada foi a ponte Khaju, considerada a mais bonita de Isfahan, onde tiramos muitas fotos. Você pode passear por cima e pelos corredores laterais da ponte mas é embaixo dela que encontramos os artistas de Isfahan. Sob a acústica dos arcos havia pessoas cantando no dialeto luri. É uma cena emocionante, jovens e homens maduros declamando em tom apaixonado poemas clássicos. No centro da ponte há um pavilhão que atualmente funciona uma espécie de livraria e casa de cultura. Na outra extremidade da ponte um homem vendia bombinhas de gás hélio e cantava fazendo uma vozinha engraçada. Mas minha maior surpresa foi ver o Rio Zayandeh que atravessa a cidade e por onde essa ponte passa completamente seco. Tina disse que há 3 meses atrás havia água ali…

Depois fomos à ponte Si-o-Seh que significa Ponte “Trinta e Três”, que é o número de seus arcos (não perguntem se eu contei). Como era uma sexta-feira, havia muitas famílias à passeio, militares em descanso sentavam nos lados da ponte.

Ponte Si-o-Seh, a ponte dos “trinta e três” arcos em Isfahan | Foto: Janaina Elias
Passagem sob os arcos da ponte Si-o-seh | Foto: Janaina Elias
Com Tina e Nima, meus irmãos de Isfahan
Leito seco do Rio Zayandeh ao lado da ponte Si-o-Seh | Foto: Janaina Elias

Em seguida fomos para a Praça Naghshe Jahan que sob o sol da tarde é ainda mais fantástica. Por ali transitam carruagens decoradas com lindos cavalos brancos e a grande piscina com o barulho da água e crianças brincando e famílias fazendo piquenique nos gramados, transmitem uma sensação de paz e frescor. Porém devido ao dia de descanso as lojinhas de artesanato e o Bazar estavam quase todas fechadas. A Mesquita Imam também fechada mas ao menos pude fotografar sua linda fachada de estonteantes azulejos azuis decorados com motivos florais e caligrafia árabe. O mais impressionante é que as caligrafias são mosaicos, ou seja, as letras são montadas pedacinho por pedacinho! 

Visitamos  também o Palácio Ali Qapu (cujo nome de origem otomana significa “Porta Alta”) que é um tesouro da arquitetura da era Safávida na parte oeste da praça. As paredes do palácio são decoradas com afrescos de Reza Abbasi que foi o pintor da corte e de seus discípulos representando motivos florais, animais e miniaturas persas. Após subir um grande lance de escadas íngremes encontramos a famosa “sala de música”, decorada com nichos acústicos que lembram formatos de garrafas e recipientes delicados. Com toda certeza uma das coisas mais lindas que eu já vi! Acima deste piso há um teto de madeira decorado com um lindo trabalho de marchetaria sustentado por colunas também de madeira que são todos originais. Este pavimento de onde é possível ter uma vista panorâmica maravilhosa de toda a praça  está seriamente danificado. Porém a fragilidade da arquitetura deste palácio torna as obras de restauração um grande desafio.

Palácio Ali Qapu no lado oeste da praça Naqsh-e Jahan | Foto: Janaina Elias
Afrescos e pinturas decorativas no interior do palácio Ali Qapu | Foto: Janaina Elias
Salão de música com decoração acústica no interior do palácio Ali Qapu | Foto: Janaina Elias
Detalhe dos incríveis nichos decorativos em formatos de recipientes no palácio Ali Qapu
Vista da praça Naqsh-e Jahan da varanda do palácio Ali Qapu

Depois visitamos a mesquita Sheikh Lotfollah que fica no lado leste bem de frente para o palácio e que foi construída também na era Safávida. É interessante notar que esta pequena mesquita não tem minaretes (torres de onde é feito o chamado à prece), porque ela era frequentada apenas pela família real. Sua fachada é quase idêntica a da Mesquita Imam, porém numa escala menor. O que chama a atenção em seu interior é a luz do sol que entra pelo topo de sua cúpula que é uma das únicas na qual predomina a cor amarela rósea em todo o Irã com seus espetaculares padrões geométricos que lembram o formato da lima-da-pérsia. Aliás a beleza desta cúpula vista do interior é capaz de deixar qualquer mortal em estado de contemplação. Porém a coisa mais irritante são os turistas que insistem em bater palmas para fazer eco embaixo da cúpula.

Mesquita Sheikh Loftollah no lado leste da praça Naqsh-e Jahan | Foto: Janaina Elias
Caligrafia com versos do Alcorão em mosaicos na mesquita Sheikh Lotfollah | Foto: Janaina Elias
Muqarnas na fachada da mesquita Sheikh Lotfollah | Foto: Janaina Elias
O estonteante interior da cúpula da mesquita Sheikh Lotfollah | Foto: Janaina Elias
Fachada da mesquita Imam no lado sul da praça Naqsh-e Jahan | Foto: Janaina Elias

Isfahan é uma dessas cidades onde eu gostaria de estar com a câmera ligada 24 horas. Como toda cidade grande tem seus pontos caóticos, mas tem um ar agradável com ruas arborizadas e limpas e fachadas de azulejos em quase todos os edifícios. Minha única frustração foi não ter visitado o Palácio Hasht e Behesht que também estava fechado. Se vierem para o Irã, considerem não visitar Isfahan em uma sexta-feira!

As tradicionais carruagens com cavalos passeiam na praça Naqsh-e Jahan | Foto: Janaina Elias
Crianças brincam e se refrescam na grande piscina na praça Naqsh-e Jahan | Foto: Janaina Elias

Voltamos para casa comendo milho assado e sorvete Magnum dentro carro. Aliás, comer dentro do carro é uma proeza que os iranianos dominam, mas eu não… À noitinha fomos ao “apê” da tia Zahra, que tinha uma grande sala toda revestida de carpetes e almofadas no chão, decorada no maior bom gosto iraniano ao lado da sala de visitas mais ao estilo ocidental. Conheci também seu filho mais velho Mehdi e seu marido Mohammad. Como manda o costume ela me recebeu com muitas frutas e os drinks iranianos ab-e albalu (refresco de cereja) e chai. 

Mas antes que eu estufasse de tanto comer e beber, tia Zahra me chamou para dançar na sala espaçosa. Eles ligaram o som no home theater e me mostraram um monte de videos divertidos de danças iranianas. Mas quem deu o espetáculo da noite foi o Nima. Imaginem um rapaz todo peludo de vestido preto e um véu cheio de moedinhas. Sim, ele pegou o vestido da tia e literalmente “soltou a franga”! Os rapazes de Isfahan são muito bem humorados enquanto as garotas são mais quietinhas. Eu não perdi tempo e me soltei no meio dos meninos e de repente toda família entrou na dança. Mehdi também dançava bem pra chuchu, ele me ensinava os passinhos do ritmo bandari e nem precisei de muito treino para dançar como uma iraniana. E o Nima disputava comigo quem dançava mais, eles queriam até que eu ensinasse alguma dança do Brasil, mas a criatura aqui não sabe nem sambar… Foi uma verdadeira comédia! No final essa brincadeira toda acabou me dando um mal jeito na coluna. Pensando que eu ainda tinha a flexibilidade de 10 anos atrás… fiquei esticada no chão sem saber se ria ou chorava. Tia Zahra tentou me consertar com um massageador elétrico que quase me matou de cócegas. 

Depois que me recuperei, Matin (o filho mais novo da tia Zahra) me mostrou seu  livro de escola que falava do Brasil. Havia uma imagem da cidade de São Paulo, um índio, uma foto mostrando nossa diversidade racial e um mapa gráfico mostrando a vegetação e os principais produtos de cada região. Eu mostrei que sabia ler o nome dos países da América do Sul no alfabeto persa e a família me aplaudiu. 

Depois me ofereceram o exótico aperitivo de sementes de melancia torradas e sementes girassol (bem ao gosto iraniano). Enquanto os iranianos quebravam as sementinhas com seus dentes incisivos na maior habilidade eu ficava igual uma boba tentando tirar as casquinhas com a unha. Desisti de comer, complicado demais para uma tupiniquim… Mas com toda certeza aquela foi uma das noites mais divertidas que eu já tive não só no Irã, mas em toda minha vida! Tia Zahra me deixava de coração partido quando ao nos despedirmos ela disse: Qom naro! (Não vá à Qom!)

Realmente, só Deus e quem já foi hóspede sabe como é difícil se despedir de uma família iraniana. No próximo post vou falar sobre minha despedida de Isfahan e minha chegada na cidade de Qom. Continuem comigo nessa jornada!  Khoda hafez!

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