Viagem ao Irã: Mashhad, a experiência da religião

Momento de oração no pátio do Mesquita do Imam Reza em Mashhad | Foto: Janaina Elias

Salam amigos! Como eu havia prometido vou dar continuidade ao relato das minhas experiências em Mashhad.

📆 Mashhad – Irã, 24/08/2013:

Final da tarde. Diferente de Teerã, o apartamento em Mashhad era um lar iraniano mais tradicional. A sala era ampla e belamente decorada, mas nada de banheiro ocidental e nem cama no quarto. Eu estava tão cansada que tirei um soninho gostoso até o anoitecer em um colchonete no chão do meu quarto de hóspedes improvisado na biblioteca da casa.

Fui acordada pelo toque do celular, eram os amigos de Talesh ansiosos por notícias… Zeynab me chama para subir ao terraço do prédio onde estavam suas vizinhas, que conversam e dão risadas gostosas, tomando chá, comendo pistache e tâmaras sentadas em uma toalha no chão. Junto-me a elas e percebo que fazem perguntas sobre mim, querem saber minha religião, se sou casada, qual é minha profissão. Mas dirigem as perguntas a Zeynab e Somayeh, já que eu ainda não consigo responder em persa…

Finalmente à noite, fui convidada para visitar o haram (santuário) do Imam Reza. Antes de chegar lá o carro entrou por um labirinto de vielas, até que finalmente pude avistar de longe a estonteante cúpula dourada que tem seu brilho realçado pelas luzes à noite. Para minha surpresa fui informada que no horário das orações, não são permitidas visitas de turistas.

Me orientaram a simplesmente me cobrir com o chador e entrar calada. Fora o fato de eu estar com o passaporte na bolsinha por baixo da roupa, o que aumentou minha preocupação. E assim como no aeroporto há uma entrada separada só para as mulheres, onde elas revistam você a procura de objetos perigosos. Ali também é proibido entrar com câmera fotográfica, só pode tirar foto com  o celular ou tablet. Ufa! Passei na revista com o chador todo desajeitado.

À noite  a temperatura é mais fresca, e senti que o chador  até que não é um bicho de 7 cabeças, só tropecei nos primeiros passos. Depois me misturei com o povo e fiquei contemplando aquela atmosfera sagrada. O lugar é espetacularmente lindo, luzes iluminando os detalhes dourados que contrastam com o fascinante conjunto de mosaicos azuis com arabescos coloridos. Eu queria fotografar cada milimetro!

Mesmo em meio à multidão de homens e mulheres que rezam e entoam cânticos sentados sobre os tapetes no pátio, enquanto as crianças brincam, a sensação é de paz e harmonia. Lembrei que o rapaz chamado Hassan havia me dito no avião: “Quando estou no santuário, esqueço tudo, só consigo pensar em paz. Imam Reza é muito especial para nós, ele sempre atende as nossas preces…” Que grande privilégio tive eu, uma não-muçulmana e ocidental de estar ali… Ao lado do santuário do Imam Reza pode-se ver outra belíssima mesquita chamada Goharshad.

Pátio do haram (santuário) do Imam Reza | Foto: Janaina Elias
Famílias lotam o santuário | Foto: Janaina Elias
Detalhe da magnífica arquitetura, azulejos com arabescos | Foto: Janaina Elias
Mesquita Goharshad, ao lado do santuário do Imam Reza | Foto: Janaina Elias
Janaina de chador, pela 1ª vez, no santuário do Imam Reza

Depois da visita ao santuário, fomos a um restaurante para comer uma pizza. Aquela altura da noite (23:00hs) eu estava tão cansada que quase não tinha fome, mas por polidez não pude recusar ao convite. Aliás fome é uma coisa que não senti desde que cheguei no Irã. Mesmo com o cardápio em inglês, havia uma porção de nomes desconhecidos, então fui logo no que me saltou aos olhos primeiro: pepperoni!  Meus anfitriões deram muitas risadas e agradeceram, por finalmente dessa vez eu ter facilitado a vida deles!

📆 Mashhad, Irã – 25/08/13:

Este é meu último dia em Mashhad, às 18hs  tenho um vôo marcado para Rasht. Aqui o povo acorda tarde, só mulheres na casa. Zeynab me convida para o café da manhã na sofreh. Quem faz  a alegria da casa é a pequana Fatemeh de 2 anos, filha de Somayeh que brinca com uma luminária quebrada, calça meus sapatos e corre pela casa toda… Dou de presente para a família um chaveiro com a bandeira do Brasil e um pacote de doces, incluíndo as balinhas de café que curiosamente eles chamam de shukulat. Depois percebi que eles chamam qualquer tipo de bala caramelada de shukulat

Quando Hassan chegou, vesti o traje mais conservador, arrumei minhas malas correndo e entreguei para ele levá-las até o carro. A família  me convidou para visitar o maior parque de Mashhad, o Kuhsangi (“Montanha de Pedra”) que tem esse nome obviamente por ter sido construído ao redor de uma grande montanha de pedra.

Aos pés da montanha de pedra, há um casarão e um lago artificial,  o parque é belamente arborizado e irrigado por fontes de água onde as crianças se esbaldam brincando de se molhar. Até mesmo as mocinhas se molham de roupa e tudo na maior alegria. Um menininho árabe cai sentado na fonte e começa a chorar e em seguida leva uma bronca do pai, mas depois continua sua brincadeira. Vale tudo para refrescar o calorão!

Hoje é domingo, não é um dia de folga no país, mas o parque está bem lotado de famílias de vários lugares do Irã, dá para notar que há bastante árabes (que reconheço mais pelas falas do que pelas roupas). Famílias estendem suas toalhas e fazem piquenique, como em todo parque. Ali sentadas em um banco comemos batatas fritas da marca Chi-tooz. O interessante é que eles comem essas batatas molhando em um potinho de mast (iogurte) bem azedinho. Eu aprecio essa combinação!

Dentro do parque também  há uma grande construção em andamento, que parece ser um futuro shopping- center, vários anfiteatros e tendas de comida. Mas a grande atração do parque é sem dúvida a própria montanha de pedra que Hamed, marido de Somayeh me convida a escalar. As outras mulheres não quiseram vir comigo, então subimos a pé os sei lá quantos metros por um escadaria exaustiva.

Enquanto Hamed carregava a pequena Fatemeh nos ombros eu ofegava e me sentia torrando sob o maghnee preto. Na metade da subida já dava para contemplar um belíssimo panorama do parque. Enquanto Somayeh e Zeynab acenavam para nós lá de baixo, Hamed perguntou se eu aguentava ir até o topo. Claro que eu topei, não queria perder a vista lá do alto por nada!

Chegamos no topo onde dava para observar um panorama de tirar o fôlego de toda cidade de Mashhad. Ali também, circundadas por bandeiras do Irã há um conjunto de 5 lápides que são conhecidos como os “Shahids (mártires) sem nome”. A propósito, no Irã você vai ouvir falar muito dos Shahids, que é o nome dado mais especificamente aos combatentes mortos na guerra Irã-Iraque nos anos 80. Eles também dão nome a milhares de ruas e vielas nas cidades.

Parque Kuhsangi (“Montanha de Pedra”) em Mashhad | Foto: Janaina Elias
Janaina subindo a montanha de pedra do parque Kuhsangi em um calor de rachar
No alto da “montanha de pedra”, essa bela vista panorâmica…

Depois dessas aventuras, fomos almoçar em um restaurante com o divertido nome de “Frango Fugitivo”. Como sempre a comida é deliciosa, mas um pouco demais para mim. Porém dessa vez, após a escalada da “Montanha de Pedra” eu estava com um pouco mais de fome, e detonei o frango fugitivo com arroz e salada, regado a cerveja sem álcool sabor pêssego.

Antes da minha partida de Mashhad ainda visitamos mais uma vez o santuário do Imam Reza, a fim de cumprir uma tradição local, no qual o visitante deve fazer um pedido pelas pessoas que o receberam. Dessa vez passamos por uma espécie de túnel que fica logo abaixo do complexo do santuário. Pense em um túnel decorado com azulejos e fontes de água! Ao chegar lá, coloquei o chador e entrei novamente junto com Somayeh e Zeynab sem dizer nada, (dessa vez sem passaporte no bolso).

Durante o dia, o santuário é superlotado e também superaquecido devido ao fato de o sol refletir no piso de mármore. Entramos no túmulo do Imam Reza propriamente dito. Nem precisa dizer que ali dentro é proibido qualquer tipo de fotografia, felizmente há milhares de imagens no Google onde podemos ter uma mínima noção de como é seu interior, mas nada se compara a estar ali em pessoa. Deve-se tirar os sapatos e a entrada das mulheres também é diferenciada. Enquanto no pátio há uma sensação de paz e tranquilidade ali dentro elas choram, e gritam suas preces em voz alta, na esperança de serem atendidas pelo 8º Imam dos xiitas.

Enquanto Somayeh segura minha mão, não consigo permanecer parada, no movimento de mulheres que se empurram. No interior do haram o teto e as colunas são inteiramente revestidos por espelhos que cintilam estonteantemente, e  sua lápide está cercada por uma deslumbrante estrutura de metal dourado com treliças, onde os fieis jogam dinheiro e flores e se debruçam em preces e agradecimentos. É ali que eu devo fazer uma prece por minhas anfitriãs, porém devo manter esta em segredo, apenas entre eu e Allah. Com os olhos banhados em lágrimas, saímos do interior do santuário, no contrafluxo das mulheres que seguravam seus tasbihs (rosários) e Alcorões, gritando em voz alta: Salam Imam Reza… Na saída as fiéis beijam os umbrais da porta de bronze artisticamente trabalhado.

Despedida de Mashhad, com o santuário do Imam Reza ao fundo
(Hamed saiu do carro no meio do trânsito para tirar essa foto para mim!)

Eu sei que neste momento, você, caro(a) leitor(a) deve estar se perguntando, se eu sou muçulmana xiita ou se eu acredito na intercessão do Imam Reza. O que eu posso dizer é o seguinte, minha formação é cristã católica, mas a emoção e a energia da fé que eu senti ali me fez pensar somente que o Ser superior que nos ama indistintamente estava ali. Zeynab e Somayeh sabiam que eu não era muçulmana e não fizeram nenhuma diferença comigo, me convidaram para estar ali orando por elas e não fizeram nenhuma espécie de propaganda para eu me converter ao islã ou algo assim. Ao final Somayeh disse: “Nosso Deus, é único, e o Imam Reza, para nós, também é único…”

Em Mashhad, eu me senti acolhida de verdade, desde o primeiro momento. Às 17hs nos dirigimos para o aeroporto onde me despedi com muito carinho e respeito do casal Zeynab e Hassan.  Então, por hoje e só, no próximo post, vou contar como foi minha chegada no aeroporto de Rasht e o encontro com meus amigos Peyman e Maryeh . Aguardem!

>>Deixo com vocês  um pequeno vídeo da minha primeira visita ao santuário do Imam Reza: 

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